Tempo razoavelmente primaveril, caminhou num passo seguro, sem pressa, tronco direito, cabeça erguida, a olhar para diante, subindo a Sidónio Pais, virou à direita na direcção da Igreja de S. Sebastião, ladeou o Quartel-General e seguiu pela Duque d’Ávila, ultrapassou o Arco do Cego, desceu pela Rovisco Pais até chegar à frente do Técnico, trajecto que lhe era familiar, poucos os novos prédios, mas enormes, as árvores também poucas as acrescentadas; durante seis anos, no tempo de aulas, subira e descera diariamente aqueles degraus do Instituto, depois contar-se-ia pelos dedos de uma mão as vezes que o voltara a fazer.
Parou e voltou-se para o outro extremo da Alameda onde se encontrava a grande fonte. O relvado pontilhado por muitas pessoas e bandeiras dispersas. Música. Pela primeira vez na sua vida assistia in locu a uma comemoração do 1.º de Maio, sui generis. Alguns colegas seus tinham corrido a fugir da Polícia de Choque no 1.º de Maio de 1962, muitos dos seus conhecidos e amigos desfilaram no 1.º de Maio de 1974. Encontrava-se agora ali porque lhe tinham até contado estórias com morcegos e porcos, mais fantasiosas do que a da carochinha e do João Ratão, mas não lhe deram nenhuma resposta credível à pergunta que anteriormente colocara: como, em que circunstâncias se desencadeara a pandemia? Entretanto, porém, assistira ao medo a apoderar-se repentinamente das pessoas, a alastrar como uma vaga do mar que galga dunas e se infiltra em todas as fissuras da terra. A pergunta crucial passou a ser outra: como resistir? Estava ali para aprender a reagir e sentir o gosto de viver. Sérgio de Sousa, A pergunta a que não lhe responderam Comments are closed.
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